O primeiro deles foi o capixaba Manga, que seguiu para o Santos, no qual levaria o bicampeonato paulista em 1955/56. Em seguida, o posto foi ocupado pelo campista Ari, que logo rumaria para o Flamengo, atuando em parte da campanha tri carioca rubro-negro em 1953/54/55, antes de sair para o America, onde conquistaria o título de 1960. Curiosamente, seu sucessor – o mineiro Pompeia – também acabaria no America dali a alguns anos, revezando-se com o próprio Ari naquela campanha vitoriosa dos rubros.
O TIME BASE
Desta vez, o dono do posto era o jovem Julião, revelado no interior paulista pela Ferroviária de Araraquara e que havia feito o caminho inverso de Pompeia, sendo cedido pelo America ao Bonsucesso para aquela temporada. O pupilo de Batatais compensava a pouca experiência com ótimos reflexos e saídas arrojadas da meta por baixo e pelo alto. E o setor defensivo postado à sua frente já começava a refletir a transição de sistemas no futebol carioca da época, da chamada “diagonal”, adaptação do WM, para o 4-2-4.
A partir do lado direito, ele começava por Ubirajara de Oliveira, o Bibi, carioca da Vila da Penha que chegou às categorias de base do Bonsucesso como meio-campista, mas acabou remanejado para a lateral por Pirillo. De boa técnica, era o desafogo da equipe na saída de bola (“Complicou, passa para o Bibi que ele sabe o que fazer”, ordenava o treinador) e um apoiador constante. Tais predicados o colocavam como um dos melhores da posição na cidade, a ponto de ser convocado para a seleção brasileira naquele ano de 1955.
O centro da defesa era formado por dois ex-juvenis do America. O beque central era o vigoroso Gonçalo, lançado no time de cima do Bonsucesso por Alfinete. Ao seu lado jogava Pacheco, médio defensivo no sistema antigo que recuou para a zaga na formação do 4-2-4. Revelado pelo clube, Paulo era o lateral esquerdo. Destro e de perfil mais marcador, nas poucas vezes em que subia ao ataque o fazia sempre por dentro. Mas o ponto alto de seu jogo era mesmo a parte defensiva, a qual cumpria com muita seriedade e eficiência.
À frente dessa linha de quatro defensores atuava o centromédio (atual volante) Décio Recaman, pescado das categorias de base do Fluminense. Jogador alto para o futebol da época e de estilo elegante, tornaria-se em 1956 o outro atleta daquela equipe rubro-anil a ser convocado para a seleção brasileira. Mais à frente, o mineiro Geraldo – que despontou no Botafogo e teve passagem pelo Santa Cruz por empréstimo – era o meia-armador, cedido pelos alvinegros graças à boa relação do treinador com seu ex-clube.
Na ponta de lança atuava outro atleta surgido na base do Bonsucesso: Jair Francisco, de futebol dinâmico, versátil e responsável por fazer o vai e vem na ligação do meio-campo com o ataque, tarefa que o colocava como um dos jogadores mais importantes do time de Sylvio Pirillo, conferindo flexibilidade ao esquema do treinador. Seria mais uma das grandes revelações daquela equipe, logo atraindo a atenção dos clubes maiores.
Jair Francisco, um dos destaques do time
Pelas pontas, jogavam Milton pela direita e Nilo pela esquerda. Dois jogadores de estilos distintos, mas importantes nas bolas paradas. Vindo do Madureira, pelo qual atuou nas categorias juvenil e aspirantes, Milton era mais ofensivo, além de exímio batedor de pênaltis. Nilo, por sua vez, era da ilha de Paquetá, onde atuou em times amadores antes de chegar ao Bonsucesso. Ponteiro mais versátil, capaz de atuar compondo o meio-campo, tinha ainda um chute poderoso de perna canhota, muito útil em cobranças de falta.
Por fim, havia um centroavante rompedor e goleador no niteroiense Válter Prado, revelado pelo Royal, equipe que disputava o mastodôntico campeonato do Departamento Autônomo (torneio paralelo que por vezes serviu de divisão de acesso do futebol carioca daquela época, reunindo times amadores e semiamadores). O atacante havia tido passagem pelo Fluminense na base e, aos 21 anos, vinha de um período de experiência no Flamengo, onde acabou não se firmando e sequer teve chance no time principal.
Milton, Geraldo, Valter e Nilo
O esquema de Pirillo era bastante flexível: partia da “diagonal” (uma adaptação do WM criada no início dos anos 1940 por Flávio Costa) para o 4-2-4 como já fazia a maioria das equipes cariocas de então, mas sem a bola poderia se metamorfosear em um 4-3-3 com Jair Francisco recuando para a meia ou até um 4-4-2, com Nilo também se juntando para compor e compactar o setor. Tudo isso variava de acordo com o adversário ou a situação de jogo, como explicava a revista O Cruzeiro em matéria de novembro de 1955.
“O antigo jogador de Flamengo e Botafogo não emprega uma única e rígida tática. De acordo com o time que vai colocar em campo e com o adversário que irá enfrentar, ele estuda a melhor marcação a ser empregada na cancha”, dizia o texto. Na época, porém, a imprensa no Brasil ainda publicava as escalações com base no velho esquema 2-3-5. Assim, a daquele time – que qualquer criança da época sabia de cor – ficou eternizada como “Julião, Bibi e Gonçalo; Décio, Pacheco e Paulo; Milton, Geraldo, Válter Prado, Jair e Nilo”.
A escalação também se popularizaria facilmente por outro motivo: permaneceu incrivelmente imutável por todo o primeiro turno do campeonato e boa parte do returno. Em 18 de seus 20 primeiros jogos o time repetiu os titulares. Era uma equipe jovem (a média de idade era de 22 anos) e sem astros (os salários giravam em torno de modestos Cr$ 5 mil mensais), mas a pouca experiência era compensada com um jogo coletivo muito sólido e aplicado, alimentado pela vontade de surpreender os mais poderosos.
O PONTAPÉ INICIAL DA CAMPANHA
O campeonato de 1955 seguia a mesma fórmula de disputa dos dois anos anteriores. Primeiro os 12 clubes se enfrentavam em turno e returno corridos. Ao fim daquelas 22 rodadas, o primeiro colocado garantia presença na decisão do certame. E os seis melhores classificados avançavam para um turno extra, com jogos só de ida, para apontar o outro finalista. As seis vagas no terceiro turno tinham seus favoritos naturais: America, Bangu, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. Mas naquele ano as coisas seriam diferentes.
A abertura do campeonato viria em 7 de agosto, e logo de cara o Bonsucesso iria a Moça Bonita enfrentar o Bangu de Zizinho e Zózimo – que uma semana antes conquistara o Torneio Início no Maracanã batendo o Vasco na final. O rubro-anil, porém, conseguiu conter o ímpeto banguense no primeiro tempo e, em meio a um período de domínio no início da etapa final, abriu o placar com Nilo em belo chute de canhota. A vantagem de 1 a 0 foi defendida até o fim com garra, consumando sua primeira surpresa no certame.
Mesmo quem não prestou atenção naquela vitória inicial não teve como evitar abrir os olhos para o time de Pirillo após o resultado da segunda rodada: um categórico 3 a 1 imposto a um Botafogo que já contava com Garrincha, Nilton Santos e Quarentinha. No primeiro tempo no alçapão de Teixeira de Castro, o muito bem azeitado time leopoldinense abriu dois gols de frente, com Milton em chute cruzado após passe de Nilo e com Válter Prado arrematando um cruzamento da direita, superando o goleiro argentino Héctor Lugano.
Na etapa final, o médio Bob descontou para os alvinegros apanhando uma sobra da defesa. Mas a vitória com méritos do Bonsucesso (o Jornal dos Sports chegou a falar em “baile”) foi garantida no fim com um gol de Nilo, fuzilando o arqueiro botafoguense no rebote de um chute de Válter Prado que carimbou o travessão. O resultado colocava o Bonsucesso ao lado de Flamengo, Vasco e Fluminense como um dos líderes do certame – eram as quatro únicas equipes a vencerem suas duas primeiras partidas na competição.
Na terceira rodada, porém, a campanha perfeita cairia diante do Flamengo, bicampeão da cidade e em busca do tri. Em sua única partida no Maracanã naquele turno e returno, o Bonsucesso ainda fez um jogo parelho na primeira etapa, empatando com Geraldo depois que Índio abriu a contagem para os rubro-negros. Mas na etapa final, a maior qualidade do time de Fleitas Solich prevaleceu: Índio recolocou o Fla em vantagem e Evaristo fez mais dois, decretando a goleada de 4 a 1, um tanto dura para os leopoldinenses.
Rapidamente, entretanto, os rubro-anis levantaram de novo o ânimo: uma vitória de 2 a 1 sobre o São Cristóvão em Teixeira de Castro com gols de Válter Prado e Geraldo manteve a equipe no bloco de cima da tabela. Na rodada seguinte foi a vez de receber o forte esquadrão do America, que se viu reduzido a dez jogadores logo no início do jogo com a lesão do atacante argentino Martín Alarcón. Em vantagem numérica, o Bonsucesso teve mais volume de jogo, mas não pôde superar a defesa rubra, e o 0 a 0 prevaleceu.
Curiosamente, a partida seguinte seria no estádio do America, em Campos Sales, mas diante da Portuguesa – que naquele tempo ainda não havia migrado para a Ilha do Governador. O time de Pirillo perdeu a chance de golear na primeira etapa e teve de se contentar com um único gol de Milton. Mas pior aconteceria na etapa final, quando dois gols da Lusa em poucos minutos levaram ao empate em 2 a 2 (Válter Prado fez o outro dos rubro-anis). Agora surpreendido, o Bonsucesso perdia seu primeiro ponto contra um pequeno.
O tropeço seria plenamente recompensado com três vitórias consecutivas. A primeira delas, fora de casa, atropelando o Madureira em Conselheiro Galvão no único jogo pela sétima rodada a ser realizado no sábado, 17 de setembro (no domingo, o Brasil enfrentaria o Chile no Maracanã pela Taça Bernardo O’Higgins, o que transferiu as demais partidas para o fim de semana posterior). No duelo suburbano, o tricolor saiu na frente logo no início com o ponteiro Danúbio. Mas o gol só despertou a reação furiosa dos rubro-anis.
DESBANCANDO O EX-INVICTO VASCO
Geraldo empatou ainda no primeiro tempo. E o segundo foi um passeio do Bonsucesso, que virou para 4 a 1 com dois gols de Nilo e um de Milton, além de acertar uma bola na trave com Jair. O bom momento seguiu com mais uma vitória em casa: 2 a 1 diante do Canto do Rio, que chegou a vender caro o resultado, e os gols só saíram no segundo tempo. Bibi, em uma de suas descidas ao ataque pela lateral, marcou o primeiro e Geraldo fez o segundo. Superados os niteroienses, era a vez de encarar o Vasco, líder invicto.
Apesar de disputado sob forte chuva e com o gramado do alçapão rubroanil de Teixeira de Castro muito enlameado, a partida foi bem movimentada e apresentou uma etapa inicial com equilíbrio de ações, apesar do placar em branco. Mas uma escapada de Válter Prado na metade do segundo tempo definiria o resultado. O atacante se livrou de Orlando e chutou para a defesa apenas parcial de Hélio. A bola sobrou para o zagueiro Haroldo, que tentou sair jogando em vez de simplesmente despachar para longe. Foi um erro fatal.
Embora muito técnico, Haroldo se atrapalhou com a lama, escorregou e foi desarmado por Nilo, que tocou na direção do gol vazio. Milton e o lateral vascaíno Paulinho correram para a bola, mas o ponta rubroanil chegou primeiro e emendou para as redes. O gol premiava um Bonsucesso que já era melhor no jogo em todos os setores e que negou qualquer reação ao adversário até o apito final. Aquele 1 a 0 foi, segundo a revista Esporte Ilustrado, o grande resultado da rodada e um dos mais sensacionais do campeonato até ali.
A duas rodadas do encerramento do primeiro turno, a vitória levava o Bonsucesso à vice-liderança do campeonato, empatado com o Flamengo e apenas um ponto atrás do agora ex-invicto Vasco. Em seguida, porém, o time tropeçaria no clássico da Leopoldina, parando no empate em 1 a 1 com o Olaria na Rua Bariri: Geraldo abriu o placar de pênalti no primeiro tempo, mas o baiano Léo Briglia deixou tudo igual para os donos da casa na etapa final. Na última rodada do turno, em 30 de outubro, era a vez de receber o Fluminense.
“Triunfo dramático, e até certo ponto injusto, colheu o Fluminense no “alçapão” de Teixeira de Castro, diante do Bonsucesso”, começava a resenha do confronto publicada na Esporte Ilustrado. A vitória tricolor por 1 a 0, que encerrou a invencibilidade dos rubroanis em seu estádio naquele campeonato, veio num jogo dominado pelos donos da casa, mas decidido em lance controverso, contado em detalhes pelo lateral Bibi, em trecho de seu extenso depoimento ao livro “Vai dar zebra”, de José Rezende e Raymundo Quadros.
“Eu chutei três bolas impossíveis e o Veludo defendeu. Aqui, o estádio estava botando gente pelo ladrão. A partir das 13 horas não entrava mais ninguém. Jogo duro, Bonsucesso invicto. Numa jogada pela lateral esquerda do Fluminense, eu estava marcando o Escurinho, que corria muito. Colocaram uma bola na frente e não consegui pegá-lo. Ele cruzou na altura da marca do pênalti e o Julião abafou. Mas atrás do gol apitaram. Aí o Julião colocou a bola na marca do pênalti”, relembrou o lateral-direito rubroanil.
Apesar dos repetidos alertas de Bibi ao goleiro de que o trilado havia sido externo ao jogo e que, portanto, o lance seguia, não foi possível evitar que Waldo aproveitasse a situação para marcar o único gol do jogo. Mas o clima esquentou: “O jogo ficou parado 40 minutos por causa deste gol. Reclamamos porque na hora o juiz [o inglês Harry Davis] estava de costas. Até me aborreci com o falecido Telê, que ficou zombando pela perda da invencibilidade do Bonsucesso”, lembra Bibi, que quase chegou às vias de fato com o ponta tricolor.
“Discutimos e, como ele também morava na Vila da Penha, eu disse que o pegaria no outro dia. Resolvi ir ao vestiário do Fluminense para pegá-lo e fui preso. Quem me prendeu foi o delegado José Gomes Sobrinho, que também era árbitro de futebol”. Abalado pelo resultado, o Bonsucesso estreou mal no returno, perdendo de novo em casa, agora para a Portuguesa por 3 a 1, num jogo em que amassou o adversário desde o início, mas o encontrou fechado na defesa e letal nos contra-ataques, que decidiram a partida.