Comemorando 108 anos de fundação nesta terça-feira, o Bonsucesso tem seu punhado de campanhas de destaque na história do Campeonato Carioca, em especial entre as décadas de 1930 e 1960. Uma delas veio na longa edição de 1955, quando a equipe rubroanil conseguiu se intrometer entre os grandes, participando do seleto turno extra, com as seis melhores equipes do torneio, deixando de fora um Botafogo que já contava com Garrincha e Nilton Santos. O time jovem e coeso dirigido pelo antigo artilheiro Sylvio Pirillo foi a sensação do torneio, ao registrar grandes vitórias sobre quase todos os papões de então. E deixou sua escalação clássica na memória dos torcedores da época.
BREVE HISTÓRIA RUBRO-ANIL
O Bonsucesso Futebol Clube foi fundado em 1913 por um grupo de garotos de 12 a 16 anos que jogavam peladas na antiga Estrada da Penha, atual Avenida dos Democráticos, no bairro que emprestou o nome ao clube, na região da Leopoldina, Zona Norte carioca. Inicialmente disputou as ligas suburbanas, mas já no fim da mesma década passou às divisões inferiores do campeonato da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), a principal da cidade. Mas até encarar os grandes ainda levaria algum tempo.
Nessa medição de forças com os principais clubes, o Bonsucesso teve três grandes momentos na história do Campeonato Carioca. A primeira veio no início dos anos 1930, com a equipe dirigida pelo lendário e inovador Gentil Cardoso. No certame de 1931, os rubroanis tiveram, de longe, o melhor ataque da competição, com impressionantes 58 gols em 20 jogos, ainda que terminassem num discreto sétimo lugar entre 11 clubes. Os grandes responsáveis por balançar as redes eram os jovens atacantes Gradim e Leônidas.
Os dois logo chegariam à seleção brasileira, a qual conduziriam ao título da Copa Rio Branco em 1932, batendo os uruguaios campeões mundiais dentro do estádio Centenário, em Montevidéu. Três anos depois, um outro atacante rubroanil, China, sagraria-se o artilheiro do campeonato da Liga Carioca de Football (LCF). Nessa época, o clube já havia trocado seu campo da Rua Uranos pelo da Estrada do Norte, mais tarde rebatizado Estádio Teixeira de Castro (atualmente Leônidas da Silva, homenagem ao seu craque maior).
O terceiro e último grande período veio no fim dos anos 1960. E ao contrário do pioneiro, desta vez o que chamava a atenção era a defesa, em vez do ataque. Comandado pelo técnico Duque sob supervisão do experiente professor Ernesto Santos (português de nascimento e catedrático em futebol pela Universidade do Brasil, atual UFRJ), o time ganhou o apelido de “fantasma” por atrapalhar a vida dos grandes no torneio de 1969 graças à sua bem armada retranca, introduzindo um líbero atrás da linha de quatro zagueiros.
Os três nomes que formavam aquele miolo de zaga se destacaram e saíram para grandes clubes: Moisés defenderia os quatro grandes, mas marcou época especialmente no Vasco e no Bangu, além de ter chegado a atuar na seleção. Renê também jogou muito tempo no Vasco e mais tarde no Botafogo. E Paulo Lumumba passou pela dupla Fla-Flu. Outro que despontou foi o esperto meia-atacante Jair Pereira, vindo do Flamengo e que atuaria por Vasco e Bangu antes de se tornar treinador de vários grandes clubes do país.
Entre um esquadrão marcante e outro, houve a equipe que fez excelente campanha no Carioca de 1955 (que se estendeu de agosto daquele ano até abril de 1956), bem acima das que o clube se acostumara a fazer desde o fim dos anos 1930. Embora volta e meia revelasse nomes para clubes maiores (como o médio Urubatão, vendido ao Santos em 1954), o Bonsuça se acostumara com a parte de baixo da tabela: entre 1938 e 1947, só não terminou na lanterna em 1940 e 1945 – e de novo ficaria em último em 1952.
Lentamente, os progressos começaram em 1953, quando o time subiu duas posições, terminando acima do Canto do Rio e da reestreante Portuguesa, obtendo dois empates muito comemorados fora de casa: 0 a 0 com o Bangu em Moça Bonita e 3 a 3 com o Vasco em São Januário. No ano seguinte subiria mais uma posição, ao ultrapassar justamente seu maior rival e vizinho na região da Leopoldina, o Olaria. E para o campeonato de 1955, o rubroanil teria mudança no comando, com a volta de um velho conhecido: Sylvio Pirillo.
Centroavante valente e goleador que despontou no Internacional e passou pelo Peñarol, Pirillo gostava de desafios. Chegara ao Rio em 1941 para substituir o “insubstituível” Leônidas da Silva no Flamengo. Logo em seu primeiro ano marcou 39 gols no campeonato, recorde até hoje. E nos três seguintes, foi o homem-gol do primeiro tricampeonato carioca rubro-negro. Deixou a Gávea no início de 1948 como o maior artilheiro do clube até aquele momento – atualmente é o quarto, atrás apenas de Zico, Dida e Henrique.
Seguiu então para o Botafogo, que não conquistava o campeonato desde 1935, ainda no tempo em que havia duas ligas paralelas no futebol carioca. Em General Severiano também receberia a missão de substituir um ídolo máximo: Heleno de Freitas, recém-negociado com o Boca Juniors. E aos 32 anos, o veterano Pirillo contribuiria com 13 gols em 19 partidas para encerrar o longo jejum alvinegro, levantando o título que o próprio Heleno nunca chegara a conquistar nas oito temporadas em que defendeu o clube.
Pirillo pendurou as chuteiras em junho de 1952 e imediatamente iniciou a carreira de treinador, sucedendo o velho ídolo alvinegro Carvalho Leite no comando do Botafogo. Lá permaneceria até novembro, seguindo para sua primeira passagem pelo Bonsucesso a convite do vice-presidente do clube, Wilson Xavier. Na Leopoldina, comandou uma reformulação do elenco, apoiada no trabalho de lapidação de talentos feito nos juvenis do clube pelo alagoano Natanael Isidoro do Nascimento, o Alfinete, ex-jogador rubro-anil.
Uma boa proposta do Náutico, no entanto, convenceu Pirillo a trocar o subúrbio carioca pela capital pernambucana. Mas a passagem pelo Timbu foi curta (quatro meses) e infrutífera. E então, depois de chegar a pensar em desistir de trabalhar como treinador, ele acabou retornando ao Rio de Janeiro e ao Bonsucesso em meados de 1955, às vésperas do início do campeonato. Pouca coisa havia mudado. Ainda estavam lá Wilson Xavier, Alfinete e grande parte do elenco que ele conhecia bem. Valia uma nova tentativa.
O técnico não chegaria sozinho desta vez, porém. Junto dele vinha também Algisto Lorenzato, o Batatais, goleiro histórico do Fluminense, cinco vezes campeão carioca e que disputou a Copa do Mundo de 1938 pela seleção brasileira. Aos 45 anos, o velho arqueiro fora recrutado pelo antigo rival em campo para uma função pioneira no futebol brasileiro: ser o treinador de goleiros do clube da Leopoldina – que desde o início daquela década vinha se notabilizando por revelar uma sucessão de guardiães negros.
Julião e Batatais, o pioneiro treinador de goleiros
O primeiro deles foi o capixaba Manga, que seguiu para o Santos, no qual levaria o bicampeonato paulista em 1955/56. Em seguida, o posto foi ocupado pelo campista Ari, que logo rumaria para o Flamengo, atuando em parte da campanha tri carioca rubro-negro em 1953/54/55, antes de sair para o America, onde conquistaria o título de 1960. Curiosamente, seu sucessor – o mineiro Pompeia – também acabaria no America dali a alguns anos, revezando-se com o próprio Ari naquela campanha vitoriosa dos rubros.
O TIME BASE
Desta vez, o dono do posto era o jovem Julião, revelado no interior paulista pela Ferroviária de Araraquara e que havia feito o caminho inverso de Pompeia, sendo cedido pelo America ao Bonsucesso para aquela temporada. O pupilo de Batatais compensava a pouca experiência com ótimos reflexos e saídas arrojadas da meta por baixo e pelo alto. E o setor defensivo postado à sua frente já começava a refletir a transição de sistemas no futebol carioca da época, da chamada “diagonal”, adaptação do WM, para o 4-2-4.
A partir do lado direito, ele começava por Ubirajara de Oliveira, o Bibi, carioca da Vila da Penha que chegou às categorias de base do Bonsucesso como meio-campista, mas acabou remanejado para a lateral por Pirillo. De boa técnica, era o desafogo da equipe na saída de bola (“Complicou, passa para o Bibi que ele sabe o que fazer”, ordenava o treinador) e um apoiador constante. Tais predicados o colocavam como um dos melhores da posição na cidade, a ponto de ser convocado para a seleção brasileira naquele ano de 1955.
O centro da defesa era formado por dois ex-juvenis do America. O beque central era o vigoroso Gonçalo, lançado no time de cima do Bonsucesso por Alfinete. Ao seu lado jogava Pacheco, médio defensivo no sistema antigo que recuou para a zaga na formação do 4-2-4. Revelado pelo clube, Paulo era o lateral esquerdo. Destro e de perfil mais marcador, nas poucas vezes em que subia ao ataque o fazia sempre por dentro. Mas o ponto alto de seu jogo era mesmo a parte defensiva, a qual cumpria com muita seriedade e eficiência.
À frente dessa linha de quatro defensores atuava o centromédio (atual volante) Décio Recaman, pescado das categorias de base do Fluminense. Jogador alto para o futebol da época e de estilo elegante, tornaria-se em 1956 o outro atleta daquela equipe rubro-anil a ser convocado para a seleção brasileira. Mais à frente, o mineiro Geraldo – que despontou no Botafogo e teve passagem pelo Santa Cruz por empréstimo – era o meia-armador, cedido pelos alvinegros graças à boa relação do treinador com seu ex-clube.
Na ponta de lança atuava outro atleta surgido na base do Bonsucesso: Jair Francisco, de futebol dinâmico, versátil e responsável por fazer o vai e vem na ligação do meio-campo com o ataque, tarefa que o colocava como um dos jogadores mais importantes do time de Sylvio Pirillo, conferindo flexibilidade ao esquema do treinador. Seria mais uma das grandes revelações daquela equipe, logo atraindo a atenção dos clubes maiores.
Pelas pontas, jogavam Milton pela direita e Nilo pela esquerda. Dois jogadores de estilos distintos, mas importantes nas bolas paradas. Vindo do Madureira, pelo qual atuou nas categorias juvenil e aspirantes, Milton era mais ofensivo, além de exímio batedor de pênaltis. Nilo, por sua vez, era da ilha de Paquetá, onde atuou em times amadores antes de chegar ao Bonsucesso. Ponteiro mais versátil, capaz de atuar compondo o meio-campo, tinha ainda um chute poderoso de perna canhota, muito útil em cobranças de falta.
Por fim, havia um centroavante rompedor e goleador no niteroiense Válter Prado, revelado pelo Royal, equipe que disputava o mastodôntico campeonato do Departamento Autônomo (torneio paralelo que por vezes serviu de divisão de acesso do futebol carioca daquela época, reunindo times amadores e semiamadores). O atacante havia tido passagem pelo Fluminense na base e, aos 21 anos, vinha de um período de experiência no Flamengo, onde acabou não se firmando e sequer teve chance no time principal.
O esquema de Pirillo era bastante flexível: partia da “diagonal” (uma adaptação do WM criada no início dos anos 1940 por Flávio Costa) para o 4-2-4 como já fazia a maioria das equipes cariocas de então, mas sem a bola poderia se metamorfosear em um 4-3-3 com Jair Francisco recuando para a meia ou até um 4-4-2, com Nilo também se juntando para compor e compactar o setor. Tudo isso variava de acordo com o adversário ou a situação de jogo, como explicava a revista O Cruzeiro em matéria de novembro de 1955.
“O antigo jogador de Flamengo e Botafogo não emprega uma única e rígida tática. De acordo com o time que vai colocar em campo e com o adversário que irá enfrentar, ele estuda a melhor marcação a ser empregada na cancha”, dizia o texto. Na época, porém, a imprensa no Brasil ainda publicava as escalações com base no velho esquema 2-3-5. Assim, a daquele time – que qualquer criança da época sabia de cor – ficou eternizada como “Julião, Bibi e Gonçalo; Décio, Pacheco e Paulo; Milton, Geraldo, Válter Prado, Jair e Nilo”.
A escalação também se popularizaria facilmente por outro motivo: permaneceu incrivelmente imutável por todo o primeiro turno do campeonato e boa parte do returno. Em 18 de seus 20 primeiros jogos o time repetiu os titulares. Era uma equipe jovem (a média de idade era de 22 anos) e sem astros (os salários giravam em torno de modestos Cr$ 5 mil mensais), mas a pouca experiência era compensada com um jogo coletivo muito sólido e aplicado, alimentado pela vontade de surpreender os mais poderosos.
O PONTAPÉ INICIAL DA CAMPANHA
O campeonato de 1955 seguia a mesma fórmula de disputa dos dois anos anteriores. Primeiro os 12 clubes se enfrentavam em turno e returno corridos. Ao fim daquelas 22 rodadas, o primeiro colocado garantia presença na decisão do certame. E os seis melhores classificados avançavam para um turno extra, com jogos só de ida, para apontar o outro finalista. As seis vagas no terceiro turno tinham seus favoritos naturais: America, Bangu, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. Mas naquele ano as coisas seriam diferentes.
A abertura do campeonato viria em 7 de agosto, e logo de cara o Bonsucesso iria a Moça Bonita enfrentar o Bangu de Zizinho e Zózimo – que uma semana antes conquistara o Torneio Início no Maracanã batendo o Vasco na final. O rubro-anil, porém, conseguiu conter o ímpeto banguense no primeiro tempo e, em meio a um período de domínio no início da etapa final, abriu o placar com Nilo em belo chute de canhota. A vantagem de 1 a 0 foi defendida até o fim com garra, consumando sua primeira surpresa no certame.
Mesmo quem não prestou atenção naquela vitória inicial não teve como evitar abrir os olhos para o time de Pirillo após o resultado da segunda rodada: um categórico 3 a 1 imposto a um Botafogo que já contava com Garrincha, Nilton Santos e Quarentinha. No primeiro tempo no alçapão de Teixeira de Castro, o muito bem azeitado time leopoldinense abriu dois gols de frente, com Milton em chute cruzado após passe de Nilo e com Válter Prado arrematando um cruzamento da direita, superando o goleiro argentino Héctor Lugano.
Na etapa final, o médio Bob descontou para os alvinegros apanhando uma sobra da defesa. Mas a vitória com méritos do Bonsucesso (o Jornal dos Sports chegou a falar em “baile”) foi garantida no fim com um gol de Nilo, fuzilando o arqueiro botafoguense no rebote de um chute de Válter Prado que carimbou o travessão. O resultado colocava o Bonsucesso ao lado de Flamengo, Vasco e Fluminense como um dos líderes do certame – eram as quatro únicas equipes a vencerem suas duas primeiras partidas na competição.
Na terceira rodada, porém, a campanha perfeita cairia diante do Flamengo, bicampeão da cidade e em busca do tri. Em sua única partida no Maracanã naquele turno e returno, o Bonsucesso ainda fez um jogo parelho na primeira etapa, empatando com Geraldo depois que Índio abriu a contagem para os rubro-negros. Mas na etapa final, a maior qualidade do time de Fleitas Solich prevaleceu: Índio recolocou o Fla em vantagem e Evaristo fez mais dois, decretando a goleada de 4 a 1, um tanto dura para os leopoldinenses.
Rapidamente, entretanto, os rubro-anis levantaram de novo o ânimo: uma vitória de 2 a 1 sobre o São Cristóvão em Teixeira de Castro com gols de Válter Prado e Geraldo manteve a equipe no bloco de cima da tabela. Na rodada seguinte foi a vez de receber o forte esquadrão do America, que se viu reduzido a dez jogadores logo no início do jogo com a lesão do atacante argentino Martín Alarcón. Em vantagem numérica, o Bonsucesso teve mais volume de jogo, mas não pôde superar a defesa rubra, e o 0 a 0 prevaleceu.
Curiosamente, a partida seguinte seria no estádio do America, em Campos Sales, mas diante da Portuguesa – que naquele tempo ainda não havia migrado para a Ilha do Governador. O time de Pirillo perdeu a chance de golear na primeira etapa e teve de se contentar com um único gol de Milton. Mas pior aconteceria na etapa final, quando dois gols da Lusa em poucos minutos levaram ao empate em 2 a 2 (Válter Prado fez o outro dos rubro-anis). Agora surpreendido, o Bonsucesso perdia seu primeiro ponto contra um pequeno.
O tropeço seria plenamente recompensado com três vitórias consecutivas. A primeira delas, fora de casa, atropelando o Madureira em Conselheiro Galvão no único jogo pela sétima rodada a ser realizado no sábado, 17 de setembro (no domingo, o Brasil enfrentaria o Chile no Maracanã pela Taça Bernardo O’Higgins, o que transferiu as demais partidas para o fim de semana posterior). No duelo suburbano, o tricolor saiu na frente logo no início com o ponteiro Danúbio. Mas o gol só despertou a reação furiosa dos rubro-anis.
DESBANCANDO O EX-INVICTO VASCO
Geraldo empatou ainda no primeiro tempo. E o segundo foi um passeio do Bonsucesso, que virou para 4 a 1 com dois gols de Nilo e um de Milton, além de acertar uma bola na trave com Jair. O bom momento seguiu com mais uma vitória em casa: 2 a 1 diante do Canto do Rio, que chegou a vender caro o resultado, e os gols só saíram no segundo tempo. Bibi, em uma de suas descidas ao ataque pela lateral, marcou o primeiro e Geraldo fez o segundo. Superados os niteroienses, era a vez de encarar o Vasco, líder invicto.
Apesar de disputado sob forte chuva e com o gramado do alçapão rubroanil de Teixeira de Castro muito enlameado, a partida foi bem movimentada e apresentou uma etapa inicial com equilíbrio de ações, apesar do placar em branco. Mas uma escapada de Válter Prado na metade do segundo tempo definiria o resultado. O atacante se livrou de Orlando e chutou para a defesa apenas parcial de Hélio. A bola sobrou para o zagueiro Haroldo, que tentou sair jogando em vez de simplesmente despachar para longe. Foi um erro fatal.
Embora muito técnico, Haroldo se atrapalhou com a lama, escorregou e foi desarmado por Nilo, que tocou na direção do gol vazio. Milton e o lateral vascaíno Paulinho correram para a bola, mas o ponta rubroanil chegou primeiro e emendou para as redes. O gol premiava um Bonsucesso que já era melhor no jogo em todos os setores e que negou qualquer reação ao adversário até o apito final. Aquele 1 a 0 foi, segundo a revista Esporte Ilustrado, o grande resultado da rodada e um dos mais sensacionais do campeonato até ali.
A duas rodadas do encerramento do primeiro turno, a vitória levava o Bonsucesso à vice-liderança do campeonato, empatado com o Flamengo e apenas um ponto atrás do agora ex-invicto Vasco. Em seguida, porém, o time tropeçaria no clássico da Leopoldina, parando no empate em 1 a 1 com o Olaria na Rua Bariri: Geraldo abriu o placar de pênalti no primeiro tempo, mas o baiano Léo Briglia deixou tudo igual para os donos da casa na etapa final. Na última rodada do turno, em 30 de outubro, era a vez de receber o Fluminense.
“Triunfo dramático, e até certo ponto injusto, colheu o Fluminense no “alçapão” de Teixeira de Castro, diante do Bonsucesso”, começava a resenha do confronto publicada na Esporte Ilustrado. A vitória tricolor por 1 a 0, que encerrou a invencibilidade dos rubroanis em seu estádio naquele campeonato, veio num jogo dominado pelos donos da casa, mas decidido em lance controverso, contado em detalhes pelo lateral Bibi, em trecho de seu extenso depoimento ao livro “Vai dar zebra”, de José Rezende e Raymundo Quadros.
“Eu chutei três bolas impossíveis e o Veludo defendeu. Aqui, o estádio estava botando gente pelo ladrão. A partir das 13 horas não entrava mais ninguém. Jogo duro, Bonsucesso invicto. Numa jogada pela lateral esquerda do Fluminense, eu estava marcando o Escurinho, que corria muito. Colocaram uma bola na frente e não consegui pegá-lo. Ele cruzou na altura da marca do pênalti e o Julião abafou. Mas atrás do gol apitaram. Aí o Julião colocou a bola na marca do pênalti”, relembrou o lateral-direito rubroanil.
Apesar dos repetidos alertas de Bibi ao goleiro de que o trilado havia sido externo ao jogo e que, portanto, o lance seguia, não foi possível evitar que Waldo aproveitasse a situação para marcar o único gol do jogo. Mas o clima esquentou: “O jogo ficou parado 40 minutos por causa deste gol. Reclamamos porque na hora o juiz [o inglês Harry Davis] estava de costas. Até me aborreci com o falecido Telê, que ficou zombando pela perda da invencibilidade do Bonsucesso”, lembra Bibi, que quase chegou às vias de fato com o ponta tricolor.
“Discutimos e, como ele também morava na Vila da Penha, eu disse que o pegaria no outro dia. Resolvi ir ao vestiário do Fluminense para pegá-lo e fui preso. Quem me prendeu foi o delegado José Gomes Sobrinho, que também era árbitro de futebol”. Abalado pelo resultado, o Bonsucesso estreou mal no returno, perdendo de novo em casa, agora para a Portuguesa por 3 a 1, num jogo em que amassou o adversário desde o início, mas o encontrou fechado na defesa e letal nos contra-ataques, que decidiram a partida.
O RETURNO
Os ventos favoráveis, no entanto, logo voltariam a soprar. Na segunda rodada, o time atravessou a Baía de Guanabara e foi a Niterói, onde “não tomou conhecimento do Canto do Rio”, segundo a crônica da revista Manchete Esportiva. Válter Prado e Geraldo abriram 2 a 0 para os visitantes no primeiro tempo em Caio Martins. Na etapa final, Osmar descontou, mas o reserva Moreira (que atuou no lugar de Jair Francisco) anotou o terceiro e definiu o placar em 3 a 1. A reabilitação seguiria pelas próximas três partidas.
Na primeira delas, diante do Botafogo em General Severiano, o time saiu atrás na etapa inicial quando o ponta-esquerda Rodrigues marcou de pênalti para os alvinegros. Mas Décio empataria em 1 a 1 no último minuto de jogo, fazendo os rubroanis somarem um ponto precioso na briga direta por uma vaga no terceiro turno. Em seguida, agora em casa, o time passou por cima do Madureira ao vencer por 3 a 1. Em menos de cinco minutos Geraldo já havia marcado duas vezes. Décio ampliou e Tião descontou na etapa final.
Já no dia 11 de dezembro foi a vez de ir a Laranjeiras para o confronto da volta com o Fluminense, pouco mais de 40 dias depois do tenso duelo do primeiro turno. Aquela quinta rodada do returno, aliás, já vinha proporcionando algumas surpresas desde o sábado, quando o Flamengo, segundo colocado, foi derrotado pelo Olaria por 3 a 2 no Maracanã. E no domingo, no mesmo estádio, o líder Vasco foi humilhado pelo Bangu com uma goleada de 5 a 0. E, com a contribuição rubroanil, mais um resultado inesperado aconteceria.
Buscando se aproximar dos ponteiros, o terceiro colocado Fluminense logo abriu a contagem com o médio Clóvis. O Bonsucesso não se afobou. Com calma, reorganizou sua marcação e começou a se impor, mesmo fora de casa. Ainda no primeiro tempo foi premiado com o empate num belo chute cruzado de Milton. E aos quatro minutos da etapa final, Válter Prado decretou a virada. E logo Julião – figura central do duelo anterior – começou a brilhar, parando Telê, Didi, Waldo e Escurinho e garantindo a vitória por 2 a 1.
Até mais do que o resultado em si, considerado excelente e redimindo o time da derrota em casa no primeiro turno, impressionou a autoridade com que o Bonsucesso se apresentou em campo, “fazendo jogo de bola no chão, rápido, construído e incisivo”, segundo a crônica da Manchete Esportiva. Até mesmo Gradim, velho ídolo rubroanil e na ocasião técnico tricolor, admitiu o jogo mais lúcido e consistente do adversário: “Parecia que o grande era o Bonsucesso e o pequeno o Fluminense”, afirmou após a partida.
A vitória também ajudou o Bonsucesso a se manter isolado na quarta colocação e garantir cinco pontos de vantagem sobre o Botafogo, sétimo colocado, a seis rodadas do fim do returno. A vaga na próxima etapa se aproximava a passos largos. Mas antes, no último jogo pelo campeonato em 1955, ainda haveria um inesperado tropeço: uma derrota por 3 a 0 diante do São Cristóvão em Figueira de Melo, numa atuação fraca em 18 de dezembro. Após aquela sexta rodada, o certame foi interrompido para as festas de fim de ano.
Na volta, em 8 de janeiro, o Bonsucesso não sentiu a falta de ritmo, nem se abateu pela partida ruim diante dos cadetes: foi a Campos Sales enfrentar o ótimo time do America e saiu de lá com mais um grande resultado para a conta: 2 a 0, com dois gols quase em sequência na etapa final – Válter Prado aos oito minutos e Décio aos dez – coroando uma exibição de muita categoria. E a equipe ainda ficaria perto de outro ótimo resultado na partida seguinte, diante do Vasco em São Januário numa tarde de verão de calor intenso.
O time de Pirillo segurou a pressão vascaína por todo o primeiro tempo e surpreendeu nos contra-ataques. Num deles, aos 38 minutos, Nilo cruzou da esquerda e Geraldo completou para as redes, abrindo a contagem. O Vasco, porém, chegou à virada relâmpago no segundo tempo com gols de Pinga e Maneca aos oito e aos dez minutos. O Bonsucesso tentou reagir e buscar o empate, mas acabou tendo de aceitar a derrota por 2 a 1. Em todo caso, o revés do Botafogo diante do America por 4 a 1 manteve suas chances de classificação.
COM A VAGA, MAS SEM PIRILLO
A vaga ficou ainda mais perto após o memorável clássico da Leopoldina disputado em Teixeira de Castro no dia 20 de janeiro, uma sexta-feira, feriado de São Sebastião (padroeiro da cidade). Num estádio lotado, com torcida uniformizada rubroanil, faixas, bandeiras e charanga, o confronto foi movimentado e emocionante. O Bonsucesso foi para o intervalo vencendo por 2 a 0, com gols de Geraldo e Válter Prado, mas o Olaria foi sempre perigoso e acertou a trave duas vezes com Léo Briglia, mostrando que estava vivo no jogo.
De fato, na etapa final os bariris cresceram e encurralaram o time da casa. Julião precisou fazer uma defesa espetacular para salvar uma bicicleta de Léo Briglia, mas o mesmo atacante acabaria descontando com uma cabeçada. No fim, o Bonsucesso teve a chance de resolver o jogo num pênalti que Geraldo chutou na trave. Logo depois, ficou com dez após Milton ser expulso pelo árbitro inglês Harry Davis. No fim, Julião ainda salvou uma oportunidade do Olaria com Maxwell. Foi o que garantiu a dramática vitória por 2 a 1.
O resultado praticamente garantiu o Bonsucesso no turno extra, ao abrir três pontos de vantagem para o Botafogo (sétimo colocado) faltando apenas duas rodadas para o fim do returno. A euforia acabou por ofuscar uma sucessão de eventos que levaria ao declínio e fim daquela grande equipe. Tudo começou no dia seguinte, no Maracanã, quando o Fluminense foi goleado pelo America por 5 a 1. Era o terceiro placar dilatado sofrido pelos tricolores desde a derrota para os rubroanis em Laranjeiras, no começo de dezembro.
O Flu, que havia levado de 6 a 1 do Flamengo em 18 de dezembro e de 4 a 1 do Bangu em 15 de janeiro (sem contar a goleada de 4 a 0 sofrida para o mesmo America ainda no primeiro turno), decidiu demitir o técnico Gradim. E já tinha o substituto ideal em vista: Sylvio Pirillo. A negociação foi rápida e a proposta era financeiramente irrecusável. No dia 23, o acerto já era manchete na imprensa esportiva. O treinador gaúcho ficaria em Teixeira de Castro até o fim do returno. A partir do turno extra, seguia para Laranjeiras.
O Bonsucesso recorreu então ao experiente Gentil Cardoso, torcedor declarado do clube e que vinha de trabalhar em Pernambuco, onde levara o Sport ao título estadual. Mas o baque da saída iminente de Pirillo foi sentido ainda nos últimos jogos do gaúcho no comando: desfalcado de Bibi, Válter Prado e do suspenso Milton, o Bonsucesso foi novamente goleado pelo Flamengo, agora em casa, por 4 a 0. E na despedida do treinador, com Milton, mas sem Geraldo, voltou a ser batido em seus domínios, agora pelo Bangu: 2 a 1.
Mesmo com os dois maus resultados consecutivos, o Bonsucesso avançaria ao terceiro turno, terminando na sexta colocação com 26 pontos, três a mais que o Botafogo. O time da Leopoldina terminou a etapa com 11 vitórias, quatro empates e sete derrotas em 22 jogos. E ainda ficaria com saldo de gols positivo, algo raro para um time do bloco dos pequenos. Mas a campanha no turno extra – disputado todo ele no Maracanã – não deixaria boas lembranças, mesmo sob o experiente comando de Gentil Cardoso.
Até porque o Bonsucesso só conseguiria levar a campo seu time considerado titular no primeiro jogo, contra o Vasco. Os rubroanis até começaram surpreendendo naquela partida disputada em 18 de fevereiro, ao abrirem o placar antes mesmo do primeiro minuto, quando Milton escapou pela ponta direita e cruzou alto, encontrando Nilo – que fugiu da marcação de Paulinho – do outro lado para bater de primeira. Mas assim como haviam feito em São Januário os cruzmaltinos chegariam à virada e venceriam por 3 a 1.
O DESFECHO MELANCÓLICO DA GRANDE CAMPANHA
Quatro dias depois viria o reencontro com Pirillo, agora como adversário. Foi um momento para esquecer: o Bonsucesso sofreu sua pior derrota na campanha, batido facilmente por 5 a 0. Onze dias depois, o time se recompôs e fez um bom jogo contra o America. Voltou a perder, mas por um placar mais digno: 2 a 1. Conhecedor da psicologia do atleta, Gentil logo detectou o motivo da queda de rendimento da equipe naquele turno extra: o Maracanã, palco em que o time só havia atuado uma vez naquele Carioca.
“O que acontece com o Bonsucesso nesse terceiro turno aconteceria com qualquer time pequeno. Os garotos têm o complexo do Maracanã. Não ganharam, ainda, personalidade suficiente para atuar nesse monstro. Uma coisa eu digo: lá em cima, em Teixeira de Castro (e não precisa ser lá, serve qualquer campinho pequeno) nós não perdemos para ninguém. Vamos jogar de igual para igual. Agora, aqui a coisa muda de figura”, explicou o treinador ainda nos vestiários após a derrota para o America.
“O jogador tem que ter pernas para correr neste mundão. E, ainda por cima, uma preparação suficiente para suportar o impacto causado por esse gigante. Um gritinho de torcida aqui vira urro”, observava o veterano treinador. O fato é que o gol de Nilo contra o America seria o último do Bonsucesso no campeonato. Seis dias depois, o time perderia para o Flamengo (que superou o Vasco por um ponto ao fim da fase de turno e returno) por 2 a 0. E na despedida, em 17 de março, nova derrota: 3 a 0 para o Bangu.
Tentando uma chacoalhada na equipe, Gentil havia promovido várias mudanças nos três últimos jogos. Contra o Bangu, apenas seis titulares daquela escalação que ficara na memória do torcedor entraram em campo. As trocas não surtiram efeito, e o Bonsucesso se arrastou, num triste fim para uma campanha excepcional na fase de turno e returno. De todo modo, aquele sexto lugar era uma colocação marcante para o clube. Ainda mais por ter alijado o Botafogo da disputa – o que levaria o Alvinegro a tirar Didi do Fluminense.
Depois de levar o time numa excursão pelas Américas, Gentil foi mantido no cargo para o Carioca de 1956. Mas o elenco havia sido esfacelado. Devolvido ao America ao fim do empréstimo, Julião foi para o Noroeste de Bauru. Bibi e Décio Recaman, os dois de seleção, seguiram para o Bangu. Paulo e Jair Francisco foram reencontrar Pirillo no Fluminense. Milton cruzou a Baía e foi para o Canto do Rio. E Geraldo retornou ao Botafogo. Mas o declínio era evidente: o time foi oitavo em 1956 e apenas o penúltimo em 1957.
Nessas duas campanhas, o time da Leopoldina chegou a se reforçar com nomes de peso trazidos por empréstimo dos grandes, como o artilheiro botafoguense Quarentinha em 1956 e o veterano goleiro vascaíno Barbosa em 1957. Mas faltava a coesão de outros tempos. E o desmonte seguiu: Gonçalo foi para o futebol paulista. Pacheco seguiu para o America (onde teve poucas chances), Válter Prado passou por Corinthians, Palmeiras e outros clubes do interior de São Paulo. E Nilo foi vendido ao America no início de 1958.
Como costuma acontecer no futebol, as carreiras daqueles 11 jogadores tiveram projeções bem distintas. Mas certos nomes obtiveram algum destaque. Após passar discretamente pelo Bangu, Bibi ainda defendeu Vasco, Cruzeiro e retornou ao Bonsucesso. Décadas mais tarde chegaria ao cargo de vice-presidente do clube. Décio Recaman, por sua vez, foi titular em Moça Bonita por três anos. De lá, cruzou o Atlântico, defendendo Espanyol e Valencia, do qual integrou o elenco campeão da Copa das Cidades com Feiras.
Paulo e Jair Francisco também tiveram experiências distintas no Fluminense. O primeiro foi titular de início, mas aos poucos perdeu espaço com a rápida ascensão do jovem Altair. Já o outro ficou firme entre os titulares até deixar o clube em 1962, após conquistar um Carioca em 1959 e dois Torneios Rio-São Paulo em 1957 e 1960. Nilo, por sua vez, teria papel crucial no histórico time do America que conquistaria o título carioca de 1960, encerrando um jejum de 35 anos dos rubros. Mais tarde defenderia também o Palmeiras.
Pirillo, por sua vez, viveria o auge de sua carreira de treinador naquele e nos dois anos seguintes. O título invicto do Torneio Rio-São Paulo pelo Fluminense o colocou entre os cotados a dirigir o Brasil na Copa de 1958. Com efeito, ele chegou a estar à frente do escrete canarinho na disputa da Copa Roca de 1957. A perda do título carioca para o Botafogo na última rodada com goleada de 6 a 2 em tarde particularmente inspirada de Paulo Valentim abalou seu prestígio. Mas um orgulho ficou: o de ter lançado Pelé na seleção.
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