Jogadoras comemoram o título carioca invicto da categoria juvenil na Teixeira de Castro
Foto: Armando Gonçalves/Revista Passarela/ 1984
Colaborador: George Joaquim/Folha Rubro-Anil
O futebol feminino surgiu no Brasil em meados da década de 20 no século passado no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Longe dos grandes clubes, as mulheres praticavam o esporte mais popular do mundo nas comunidades, porém, sempre houve um preconceito muito grande ao classificar a modalidade como masculina justificando-se pela violência.
Em 1941, o Governo proibiu a atividade para as mulheres sem citar diretamente o futebol. Já na ditadura, em 1965, o regime militar tornou a proibição expressa pelo CND, através da Deliberação nº. 7: “Não é permitida a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo, halterofilismo e beisebol.”
Apenas em 1979, o futebol voltou a ser permitido para as mulheres. Quatro anos depois, em 1983, a modalidade foi regulamentada. A partir de então, elas começavam a escrever uma nova página. No Rio de Janeiro, existiam duas categorias: juvenil (até 18 anos) e adulta (maiores de 18 anos). O Radar, fundado em 1932, era o 'papa-títulos'. O clube com sede em Copacabana faturou todos os torneios estaduais entre 1983, ano da criação, até 1988. Com exceção de um na categoria juvenil...
Da esquerda para a direita, atletas em pé: Pequena, Liana, Vânia, Batata, Osana, Elane, Vera, Karl, Cristina. Agachadas: Suzete, Toy, Gleydi, Miriam, Denise, Rita e Fátima. Foto: Armando Gonçalves/Revista Passarela/ 1984. Nesse mesmo período de ressurgimento do futebol feminino, o Bonsucesso também abraçou as meninas e abriu espaço para elas, sendo um dos pioneiros no país. Em 1983, na categoria juvenil, as 'Leoas da Leopoldina' conquistaram o troféu de forma invicta em uma competição que contou com a participação do America, Botafogo, Radar, São Cristóvão e Bangu.
Na categoria adulta, o Bonsucesso terminou em 8º. No ano seguinte, em 1984, o clube terminou em terceiro lugar.
Supervisor do futebol feminino na década de 80, Fernando Meirelles, de 72 anos, concedeu entrevista ao Blog Fanáticos pelo Cesso recordando o trabalho na Teixeira de Castro com as jovens e lembrou o início da criação das categorias.
"Fizeram uma peneira. Apareceram meninas de todas as partes para participar. Era muita gente. Os dirigentes não eram bobos. Eles iam peneirando as melhores e fizeram um timaço. Tanto o principal como o juvenil eram muito bons. O principal só tinha um problema. A goleira não era das melhores, então, não conseguiu ir longe. Mas, o time do 'Cacareco' (técnico Roberto Martins) foi campeão invicto. O Bonsucesso não era mole", disse citando a temporada de 1983 com o título juvenil.
Meirelles recorda que existia hostilidade entre as próprias jogadoras, mas nos dias de jogos, como o ambiente era familiar, as torcidas aliviavam nas arquibancadas que abrigavam bons públicos nos finais de semana.
"Tinha problema sim. Sempre tinha alguém falando que fulana era 'sapatão'. Infelizmente isso não deveria existir. Era difícil lidar com elas pra caramba. Tínhamos reuniões constantes devido indisciplinas, não seguiam regras e elas botavam pra quebrar. Eu tinha um jeito diferente de lidar. Eu dizia que não queria saber o que elas faziam. Queria que jogassem e ganhassem. Não queria que barrasse ninguém. Era para botar pra jogar. Dava certo. Jogávamos em todos os cantos. Quando éramos mandantes, atuávamos na Teixeira de Castro. Ia muita gente porque ninguém pagava nada. Era sempre sábado ou domingo à tarde, às 13h e 15h. Tinha muita família e isso ajudava no ambiente menos hostil. Quem sofria muito eram os árbitros e as bandeirinhas", disse.
Apesar do jeito durão, Fernando Meirelles afirmou que sempre foi tratado como um 'paizão' pelas jogadoras do Bonsucesso.
"Elas sempre me trataram bem, sempre me respeitaram não só como dirigente como também como homem. Sempre fui mais velho que elas, eu sempre tratei todas de maneira igual. Eu ajudava como podia. Me pediam dinheiro para comprarem fita para amarrarem o cabelo nos jogos. Eu dava. Não tinha problema. Sempre me dei bem com elas. Cobrávamos também constantemente as notas escolares. Tudo passava pela supervisão do clube, dos técnicos e dirigentes."
Na história do Bonsucesso, o clube pode se gabar de ter lançado para o mundo do futebol a zagueira Elane, autora do primeiro gol da Seleção Brasileira em uma Copa do Mundo. Capitã do Brasil durante a década de 1990, Elane participou de quatro Copas do Mundo, uma Olimpíada e três Sul-Americanos. A ex-jogadora iniciou a carreira no São Cristóvão, mas com apenas um mês de clube, foi integrada ao Rubro-Anil. No estádio Leônidas da Silva, ela fez parte do time campeão juvenil de 1983 e teve grandes atuações pela equipe profissional. Ao longo da carreira, defendeu a Portuguesa, Radar, Corinthians, Santos e São Paulo.
"A Elane jogava demais! Me recordo que ela defendeu o Brasil no Mundial. Ela participou do nosso timaço. No profissional, ela formou a dupla de zaga com a Penha. Quando ela foi convocada já não jogava mais pelo Bonsucesso, mas surgiu conosco", disse entusiasmado.
A zagueira Elane defendeu o Brasil entre 1988 a 1999
Foto: Divulgação
Assim como Elane que precisou conciliar a carreira de jogadora com outras profissões como babá e empregada doméstica, Meirelles relata a dificuldade de profissionalizar o futebol feminino na década de 80.
"Não era fácil. As meninas tinham que se desdobrar porque não existia dinheiro para custear a modalidade. Muitas delas tentavam conciliar, mas outras largaram o futebol e foram trabalhar em outras funções como cobradora de ônibus, doméstica, enfermeira..."
Apaixonado pelo futebol feminino, Meirelles acompanha os jogos que são televisionados e se derrete pelo futebol da 'Rainha' Marta.
"Gosto muito de ver. Vi no último domingo. Adoro ver elas jogando. A Marta sem dúvidas ainda é a melhor. Ela não tem mais a mesma mobilidade, mas está no mesmo patamar que o Pelé em genialidade. A Marta é um fenômeno. Quem viu, viu. Quem não viu, não verá ninguém igual. Há uns 10 anos atrás, ela jogaria fácil entre os homens", disse lembrando que o time feminino do Bonsucesso jogava constantemente com a equipe masculina:
"Elas treinavam. Não eram mole. Quando perdiam, perdiam jogando muita bola. Por isso, que tínhamos um timaço. O futebol feminino tinha que voltar não só no Bonsucesso, mas em todos os clubes. A modalidade foi esquecida e precisava voltar em todos os clubes. Sou fã", disse o ex-supervisor em tom de esperança.
Em 1989, o Campeonato Carioca Feminino foi interrompido por questões financeiras, sendo retomado apenas entre 1996 e 2001. Depois de uma nova pausa, em 2005, o Estadual foi reativado.
Em 2011, o Bonsucesso teve a sua melhor colocação entre as profissionais, terminando em quarto lugar. Atualmente, o clube conta apenas com o elenco masculino profissional. As categorias de base estão paralisadas devido à pandemia e o futebol feminino foi suspenso.
Mônica foi a camisa 10 do Bonsucesso em 1983
Foto: Reprodução/Revista Bonsucesso