[LEGENDA] A partir da
esquerda, em pé: Ubirajara é o primeiro,
e o terceiro, Paulo Lumumba; agachado,
o primeiro é Gibira.
Após ver que o Botafogo estreou no Brasileirão com uma bela virada por 4
a 2 sobre o tricolor paulista, cabe recordar: o “glorioso” sempre foi um time
de chegada. Ainda que, com certa frequência, morra na praia. O ano de 1968,
porém, e para além das surpresas destinadas a Praga em sua primavera e ao maio
em Paris, reservava também ao clube da General Severiano uma agradável alegria.
Quem brilhou no ato, no entanto, foi o Bonsucesso.
Precisava a equipe da estrela solitária vencer e ainda torcer para o rubro-negro
da beira da lagoa não ganhar a partida seguinte, de modo à decisão da Taça
Guanabara se dar num jogo extra; caso contrário, o título ia para a Gávea pela
primeira vez desde a sua criação, em 1965. Mas naquele domingo após o dia da
independência, as equipes empataram miseravelmente sem inaugurar o placar
diante de cento e vinte e três mil espectadores. O resultado deixava tudo como
estava na tabela, mas isso se o Urubu
não tivesse uma rodada a menos, a se dar contra o rubro-anil da Leopoldina.
Conta-se que a mulambada, diante da situação, comemorou no próprio
domingo a conquista do título, com direito a volta olímpica no templo do
futebol. Zagalo, resignado e ainda sem o “l” dobrado, levou o alvinegro para
uma excursão no Centro-Oeste do país, a começar com um amistoso contra o
Goiânia no mesmo dia do embate entre suburbanos e lagoeiros.
O Leão vinha de duas derrotas (Botafogo 1 a 0; Bangu 2 a 0; Fluminense 4
a 0), uma vitória sobre o América (1 a 0) e um empate com o Vasco (1 a 1). Segurava
a lanterna da competição e enfrentaria um dos primeiros da tabela. Naquela
noite, Ubirajara; Luís Carlos, Jurandir, Paulo Lumumba e Albérico; Fifi
(Moisés), Didinho e Gibira; Gilbert (Jair Pereira), Gonçalves e Morais provaram
que, de vez em quando, as páginas da história se abrem. Não só aos reis e
notáveis, mas também àqueles a quem não resta mais nada a perder além da
dignidade. Às vezes, o pouco que se tem é muito ou, quando não, o suficiente.
Pois bastou a dignidade daqueles que compunham as dezenas de dezenas de “torcidas”
para sair de casa naquela noite, ainda que não houvesse nenhuma perspectiva. Pegaram
o trem na Praça das Nações rumo ao maior do mundo, junto com outras 47.000 pessoas
numa quarta feira, onze de setembro, para não ver nenhuma vítima registrada, à
exceção da arrogância trajando vermelho e preto, noite alta, nas imediações da
Estação Derby Clube (atual Maracanã).
Certamente a vitória do Bonsuça uns seis meses antes, em pleno bairro
das Laranjeiras, não foi lembrada como alento por quem sofreu na alma os
noventa minutos daquela decisão “improvisada”. Alguns creditaram o resultado à
falta de sorte da linha de frente rubro-negra. Outros diriam que o esquema
recuado do já tarimbado treinador Velha, devolvendo forte em contra-ataque, foi
absolutamente eficiente tanto defendendo quanto convertendo em gol as poucas
chances surgidas.
Fato é: o clima do Maracanã, depois da vitória, estampava-se em gestos e
palavras do sr. Orlando como um misto de tensão e alegria enquanto lembrava
que, naquele tempo, as arquibancadas não possuíam divisórias. Torcedor que, hoje,
na Teixeira de Castro, gosta de ver os jogos lá atrás das traves ao norte (perto
do mercado Guanabara), reparou o seu amigo João alheio à multidão também
presente, a bradar o êxito suburbano através do megafone numa das mãos,
enquanto a outra agitava o pavilhão rubro-anil.
Era difícil imaginar aquele
sexagenário alto, ainda corpulento e de voz calma, tirando os “brinquedos” da
mão daquele fanático pelo Cesso, não fosse pela atitude de prudência ao evitar ver
o amigo – bem como a si mesmo – se metendo numa grande encrenca. Como também
prudente foi esperar apagarem-se as luzes do Estádio e esvaziarem-se as ruas do
entorno para, com segurança, alcançar a estação e tomar o trem de volta à
Leopoldina.
Chegando na Cardoso de Morais com a Teixeira de Castro, o Sr. Orlando
certamente ouviu a torcida gritando em coro, não havia choro na choperia
Planalto. Vivendo o hino que se cantava, foi como se as testemunhas da arte Impossível
transformada, naquele dia, em esporte Futebol, reconhecessem Gonçalves e Morais
como os jatos lançados contra torres de um castelo aparentemente inabalável, que
ultrapassaram a meta do time da Gávea e desmancharam deixando um rastro de
fumaça vermelha e azul a festa iniciada pelos urubus, por antecipação, já
naquele empate com o Botafogo. Pois bem feito: comeram cru, passaram mal ou,
como bem disse o Zagallo: ri melhor quem ri por último.
***
O campeonato acabou e o Botafogo venceu o Flamengo por quatro a um,
diante de cem mil pessoas, no fim de semana seguinte. Às vezes é preciso
concordar com o velho Lobo. Mas só às vezes, sempre bom lembrar: um copo vazio ainda
está cheio de ar.
FONTES:
http://abelardomaues.wordpress.com/2010/07/23/jogos-inesqueciveis-botafogo-4x1-flamengo/
http://brfut.blogspot.com.br/2009/08/campeonato-carioca-1968.html
http://brfut.blogspot.com.br/2009/12/taca-guanabara-1968.html
http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2012/05/vasco-x-santos.html
http://aqipossa.blogspot.com.br/2012/01/o-super-bonsucesso-futebol-clube.html
http://jogosdobonsucesso.blogspot.com.br/2010/09/taca-guanabara-1968.html
http://mundobotafogo.blogspot.com.br/2011/04/taca-guanabara-de-1968.html
http://www.futebolecialtda.com.br/2011/08/voce-se-lembra-do-bonsucesso-futebol.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ta%C3%A7a_Guanabara
REZENDE, José e QUADROS, Raymundo. Vai dar Zebra. Rio de Janeiro: Edição
do Autor, [2011]